Mesmo
diante do turbilhão de dificuldades, um novo caminho pode ser trilhado quando
se descobre que, apesar das limitações e de necessidades especiais, existe um
potencial a ser desenvolvido e que deve ser estimulado por meio de uma educação
que permita o aprendizado, além do amor, que é fator fundamental no
desenvolvimento de qualquer criança. Mergulhando neste universo desconhecido
por muitas pessoas e fugindo de regras consideradas normais pela sociedade,
vamos conhecer os aspectos de ordem física e espiritual da Síndrome de Down.
Atualmente, existe muito mais informação a respeito do que há algumas décadas. A primeira descrição foi dada pelo médico inglês John Langdon Down, em 1866, chamada também de trissomia do 21, pela existência de um cromossomo extra no material genético. Porém, essa alteração cromossômica passou a ser estudada mais profundamente a partir das pesquisas do geneticista francês Jerome Lejeune, em 1958. Portanto, a Síndrome de Down, chamada anteriormente de mongolismo (semelhança na aparência dos portadores com os povos mongóis), passou a ser considerada uma alteração genética e não uma doença, que ocorre pela presença de um cromossomo a mais. Ao invés de um par de cromossomos, ocorre a formação de um trio, elemento extra que se une ao par número 21, daí o nome Trissomia do 21. Essa má formação congênita é considerada a forma mais freqüente de retardo mental causada por uma alteração cromossômica e ocorre com maior probabilidade na medida em que a mãe envelhece, além de outros aspectos que devem ser considerados. As estatísticas mostram um para cada mil recém-nascidos de possibilidade na gestante na faixa dos 30 anos, enquanto na faixa dos 40 anos o número sobe para nove a cada mil, embora qualquer pessoa esteja sujeita a ter um filho com tal anomalia genética. Estima-se, hoje, que de cada 650 crianças nascidas, uma tenha Síndrome de Down. Em termos percentuais, esses números representam de 3% a 5% da população mundial. No Brasil, nascem por ano cerca de 8.000 bebês com a síndrome.
A
Síndrome de Down pode ser diagnosticada por algumas características físicas
diferentes de outras crianças, que gera atraso nas funções motoras do corpo e
mentais, o que representa maior lentidão no processo de aprendizado. Esse
atraso no desenvolvimento pode ser minimizado com uma intervenção precoce por
meio de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, além de abordagens
psicológica e pedagógica adequadas.
Dentro
deste quadro de características existem muitos mitos, vejamos alguns: a
Síndrome de Down não é hereditária; não é resultado do grau de parentesco dos
pais; problemas durante a gestação não influenciam na geração de um portador e
é importante lembrarmos que o problema está presente em todas as raças e sexos.
Em
relação à expectativa de vida dos portadores, ocorreram muitas mudanças nos
últimos dez anos com os avanços científicos, principalmente em relação a
problemas cardíacos, uma das maiores causas de mortalidade entre os portadores.
De todos indivíduos com a síndrome, 50% apresentam má formação no coração.
Aspectos
espirituais
Embora as causas que ocasionam a Síndrome de Down não sejam conhecidas ainda pela Ciência, quando os questionamentos abrangem os aspectos espirituais, as explicações ganham outra dimensão muito além das pesquisas humanas.
Do
ponto de vista espiritual, tudo tem uma razão de ser. É a lei de ação e reação
(karma) que deve ser compreendida com a visão reencarnacionista. Diversas obras
espíritas relatam o processo desde o momento da fecundação do feto ao seu
nascimento, prova de que existe um planejamento muito grande no momento da
reencarnação. O livro Missionários da Luz, o terceiro livro ditado pelo
espírito André Luiz ao médium Chico Xavier, descreve o Ministério da
Reencarnação e o empenho dos espíritos encarregados desta função. Dentre
milhões de espermatozóides e óvulos existentes, apenas um é escolhido para ser
fecundado e essa escolha ocorre de acordo com as provas necessárias do
espírito. A necessidade de evolução do espírito possibilita a união do
perispírito (o corpo astral e os corpos mais sutis) com o corpo físico, união
esta capaz de gerar os órgãos que servirão como instrumento necessário de
aprendizado. Segundo o capítulo XI do livro A Gênese, de Allan Kardec, é o
próprio espírito quem fabrica seu envoltório de acordo com suas necessidades.
“Ele o aperfeiçoa, o desenvolve e completa o organismo à medida que sente a
necessidade de manifestar novas faculdades; numa palavra, ele o talha conforme
sua inteligência... Assim se explica igualmente o cunho especial que o caráter
do espírito imprime aos traços da fisionomia, e às linhas do corpo”.
Podemos
encontrar em O Livro dos Espíritos, perguntas 371 a 374, respostas dos
espíritos a Kardec sobre a idiotia (como a deficiência mental era chamada
séculos atrás). A resposta à pergunta 373 sobre esses deficientes diz: “É uma
expiação decorrente do abuso que fizeram de certas faculdades. É um
estacionamento temporário”. Complementa dizendo: “O gênio se torna por vezes um
flagelo, quando dele abusa o homem”.
Porém,
é importante lembrarmos que cada caso é um caso. Generalizarmos algo é sempre
complicado. Existem espíritos que pedem aos mentores espirituais a oportunidade
de reencarnar com algum tipo de deficiência que julgam ser necessária para um
melhor aproveitamento evolutivo que a reencarnação oferece.
Por
outro lado, cabe também aos pais escolhidos para essa responsabilidade, claro
que não por acaso, educar o espírito que chega ao lar, com amor, dedicação e
acima de tudo, muita paciência, por ser realmente uma prova de muita coragem
para ambas as partes. No caso do portador da Síndrome de Down, suas limitações
o impedem de poder utilizar o corpo – que é um instrumento de manifestação do
espírito – livremente.
Na
maioria dos casos – e lembre-se que cada caso é um caso –, em encarnações
anteriores, a inteligência pode ter sido mal direcionada. Espíritos que se
valeram do brilho intelectual para prejudicar em demasia outras pessoas, ou
abreviaram suas próprias vidas por não suportarem suas dores, gerando como consequência,
distúrbios energéticos no perispírito. Estes desequilíbrios energéticos acabam
prejudicando a formação do novo corpo, em nova encarnação.
Como
nada acontece sem uma razão, os pais escolhidos para essa difícil missão, em
razão de compromissos assumidos anteriormente ou por amor, recebem como
“joalheiros da vida” o papel de transformar uma pedra bruta em jóia preciosa.
Como lembra o título do livro As Aves Feridas na Terra Voam, de autoria de
Nancy Pullman, que aborda a trajetória dos excepcionais como espíritos encarnados
no plano terrestre, esses espíritos precisam voltar a voar, mesmo com as asas
quebradas na atual encarnação. Seus mais altos vôos dependerão daqueles que o
receberem em seus ninhos.
Conquistando
o Brasil
A Síndrome de Down é um dos temas abordados pela novela global, Páginas da Vida, aliás, assuntos polêmicos relacionados ao comportamento humano e que gerem debate são comuns nas tramas do autor Manoel Carlos. Na história, Clara (Joana Mocarzel), é portadora da síndrome e sua mãe adotiva, a médica Helena, personagem protagonizada pela atriz Regina Duarte, luta pela inclusão social de sua filha.
No
enredo, a estudante Nanda engravida de gêmeos do namorado Leo, e um dos bebês é
portador da Síndrome de Down. Nanda sofre um atropelamento, não resiste ao acidente
e morre. Dentre as duas crianças, Clara, com necessidades especiais, é
rejeitada pela avó. A partir daí, como na vida real, a inclusão social de
crianças especiais é sempre um desafio. A iniciativa do autor em abordar
o tema em pleno horário nobre tem o objetivo de despertar o público para a
existência do preconceito. A menina Joana, que vive a personagem Clara, com
apenas 6 anos de idade vem encantando todo o País com sua graciosidade, e
acima de tudo, tem provado seu potencial a ser desenvolvido.
A
liberdade de expressão conquistada pelo fim da censura e repressão representa
uma via de mão dupla, que se bem utilizada, pode ajudar a despertar muitas
consciências, propondo um olhar mais profundo para o ser humano.
Apesar
das limitações na compreensão na totalidade dos problemas humanos, por não
levarem em conta a dimensão espiritual do Ser, aspecto realmente causador das
dificuldades terrenas de modo geral, o fato de abordarem essas diferenças no
contexto social já significa uma grande conquista.
Na
vida real, muitos portadores da síndrome já conseguiram provar que é possível
vencer obstáculos e conquistar seu espaço. É o caso de Maria Cristina de
Orleans, de 16 anos, que lançou o livro Carta de Amor, durante o Festival
Literário Internacional de Paraty. Outro exemplo que merece ser destacado é do
judoca Breno Viola, 25 anos, o único faixa preta de judô portador da síndrome.
Além desses, José Rogério, funcionário do Mac Donald’s de Santos há 14 anos e
Felipe Badim, ator no Rio de Janeiro que trabalhou em várias novelas. Estes são
alguns, entre tantos outros personagens que são heróis da vida real.
Em
uma sociedade onde, infelizmente, os diferentes são excluídos, é fundamental
que sejam levantadas discussões saudáveis, como a inclusão social dos portadores
de alguma deficiência.
Pedagogia
do Amor
A anomalia cromossômica causa alteração e mau funcionamento de diversos órgãos. E por afetar o cérebro, ocasiona também a dificuldade na manifestação intelectual, que varia de intensidade. Conforme esclarece a doutrina espírita, a inteligência é um atributo do espírito, mas para que esta se manifeste livremente no plano físico é necessário que o cérebro esteja em condições apropriadas.
Pesquisadores
do mundo todo têm se surpreendido cada vez mais com o potencial de
desenvolvimento das pessoas portadoras de alguma deficiência, algo que algum
tempo atrás não era reconhecido.
Como
todas as potencialidades na vida precisam ser estimuladas, no caso da Síndrome
de Down é preciso doses ainda maiores de uma educação social e atenção afetiva,
desde o nascimento da criança. Os avanços da Medicina têm permitido uma duração
no tempo de reencarnação delas maior e com mais saúde, porém, todo progresso
científico não terá o sentido que merece enquanto a exclusão social não for banida
e substituída pela palavra dignidade. É bastante comum, no meio familiar e
escolar, as pessoas subestimarem a capacidade de aprendizado dos portadores de
necessidades especiais. Cabe, portanto, àqueles que se norteiam pelos
paradigmas espirituais das múltiplas existências, não se deixarem contaminar
por idéias preconceituosas. Porque afinal de contas, apesar do corpo se
encontrar limitado, essas dificuldades são transitórias e são necessárias para
sua evolução. A compreensão dos paradigmas que vão além da visão física dão um
novo significado às dores da alma e ajuda na compreensão da importância do
convívio social, tanto para o crescimento dos portadores, quanto da sociedade
no exercício da compreensão e da fraternidade. Somente assim os muros do preconceito
poderão ser substituídos pela pedagogia do amor, que sem dúvida, representa a
mais eficaz das ferramentas renovadoras.
Artigo
publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 43.
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