Detendo o umbandista a tranquila convicção de que seu ente querido
não mais se demora por estas bandas, tendo demandado estâncias outras, mais
ricas de vida, guarda a consciência clara de que tudo o que ficou na sepultura
foi a "roupagem gasta", e não mais, portanto, a pessoa com quem
compartilhou experiências e afeto.
O hábito de visitar os mortos, como se o cemitério fosse
sala de visitas do Além, é cultivado desde as culturas mais remotas. Mostra a
tendência em confundir o indivíduo com seu corpo. Há pessoas que, em desespero
ante a morte de um ente querido, o "VISITAM" diariamente. Chegam a
deitar-se no túmulo. Desejam estar perto do familiar. Católicos, budistas,
protestantes, muçulmanos, espíritas - somos todos espiritualistas, acreditamos
na existência e sobrevivência do Espírito. Obviamente, o ser etéreo não reside
no cemitério. Muitos preferem dizer que perderam o familiar, algo que mostra
falta de convicção na sobrevivência do Espírito. Quem admite que a vida
continua jamais afirmará que perdeu alguém. Ele simplesmente partiu. Quando
dizemos "perdi um ente querido", estamos registrando sérios
prejuízos emocionais. Se afirmarmos que ele partiu, haverá apenas o imposto da
saudade, abençoada saudade, a mostrar que há amor em nosso coração, o
sentimento supremo que nos realiza como filhos de Deus. Em datas
significativas, envolvendo aniversário de casamento, de morte, finados, Natal,
Ano Novo, dia dos Pais, dia das Mães, sempre pensamos neles.
COMO PODEMOS AJUDAR OS QUE PARTIRAM ANTES DE NÓS?
Envolvendo o ser querido em vibrações de carinho, evocando
as lembranças felizes, nunca as infelizes; enviando clichês mentais otimistas;
fazendo o bem em memória dele, porque nos vinculamos com os Espíritos através
do pensamento. Além disso, orando por ele, realizando caridade em sua
homenagem, tudo isso lhe chegará como sendo a nossa contribuição para a sua
felicidade; a prece dá-lhe paz, diminui-lhe a dor e anima-o para o reencontro
futuro que nos aguarda.
PODEMOS CHORAR?
Podemos chorar, é claro. Mas saibamos chorar. Que seja um
choro de saudade e não de inconformação e revolta. O choro, a lamentação
exagerada dos que ficaram causam sofrimento para quem partiu, porque eles
precisam da nossa prece, da nossa ajuda para terem fé no futuro e confiança em
Deus. Tal comportamento pode atrapalhar o reencontro com os que foram antes de
nós. Porque se eles nos visitar ou se nós os visitarmos (através do sono) nosso
desequilíbrio os perturbará. Se soubermos sofrer, ao chegar a nossa vez, nos reuniremos
a eles, não há dúvida nenhuma.
Carta de um morto
Pede-me você notícias do cemitério nas comemorações de
Finados. E como tenho em mãos a carta de um amigo, hoje na Espiritualidade,
endereçada a outro amigo que ainda se encontra na Terra, acerca do assunto,
dou-lhe a conhecer, com permissão dele, a missiva que transcrevo, sem qualquer
referência a nomes, para deixar-lhe a beleza livre das notas pessoais.
Eis o texto em sua feição pura e simples:
Meu caro, você não pode imaginar o que seja entregar à terra
a carcaça hirta. no dia dois de Novembro.
Verdadeira tragédia para o morto inexperiente.
Lembrar-se-á você de que o enterro de meu velho corpo,
corroído pela doença, realizou-se ao crepúsculo, quando a necrópole enfeitada
parecia uma casa em festa.
Achava-me tristemente instalado no coche fúnebre, montando
guarda aos meus restos, refletindo na miserabilidade da vida humana...
Contemplando de longe minha mulher e meus filhos, que
choravam discretamente num largo automóvel de aluguel, meditava naquele antigo
apontamento de Salomão – “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” –, quando, à
entrada do cemitério, fui desalojado de improviso.
Na multidão irrequieta dos vivos na carne, vinha a massa
enorme dos vivos de outra natureza. Eram desencarnados às centenas, que me
apalpavam curiosos, entre o sarcasmo e a comiseração.
Alguns me dirigiam indagações indiscretas, enquanto outros
me deploravam a sorte.
Com muita dificuldade, segui o ataúde que me transportava o
esqueleto imóvel e, em vão, tentei conchegar-me à esposa em lágrimas.
Mal pude ouvir a prece que alguns amigos me consagravam,
porque, de repente, a onda tumultuária me arrebatou ao círculo mais íntimo.
Debalde procurei regressar à quadra humilde em que me
situaram a sombra do que eu fora no mundo... Os visitantes terrestres daquela
mansão, pertencente aos supostos finados, traziam consigo imensa turba de almas
sofredoras e revoltadas, perfeitamente jungidas a eles mesmos.
Muitos desses Espíritos, agrilhoados aos nossos
companheiros humanos, gritavam ao pé das tumbas, contando os crimes ocultos que
os haviam arremessado à vala escura da morte, outros traziam nas mãos
documentos acusadores, clamando contra a insânia de parentes ou contra a
venalidade de tribunais que lhes haviam alterado as disposições e desejos.
Pais bradavam contra os filhos. Filhos protestavam contra
os pais.
Muitas almas, principalmente aquelas cujos despojos se
localizam nos túmulos de alto preço, penetravam a intimidade do sepulcro e, de
lá, desferiam gemidos e soluços aterradores, buscando inutilmente levantar os
próprios ossos, no intuito de proclama aos entes queridos verdades que o
tímpano humano detesta ouvir".
Muita gente desencarnada falava acerca de títulos e
depósitos financeiros perdidos nos bancos, de terras desaproveitadas, de casas
esquecidas, de objetos de valor e obras de arte que lhes haviam escapado às
mãos, agora vazias e sequiosas de posse material.
Mulheres desgrenhadas clamavam vingança contra homens
cruéis, e homens carrancudos e inquietos vociferavam contra mulheres insensatas
e delinquentes.
Talvez porque ainda trouxesse comigo o cheiro do corpo
físico, muitos me tinham por vivo ainda na Terra, capaz de auxiliá-los na
solução dos problemas que lhes escaldavam a mente, e despejavam sobre mim
alegações e queixas, libelos e testemunhos.
Observei que os médicos, os padres e os juízes são as
pessoas mais discutidas e criticadas aqui, em razão dos votos e promessas,
socorros e testamentos, nos quais nem sempre corresponderam à expectativa dos
trespassados.
Em muitas ocasiões, ouvi de amigos espíritas a afirmação de
que há sempre muitos mortos obsidiando os vivos, mas, registrando biografias e
narrações, escutando choro e praga, tanto quanto vendo o retrato real de
muitos, creio hoje que há mais vivos flagelando os mortos, algemando-os aos
desvarios e paixões da carne, pelo menosprezo com que lhes tratam a memória e
pela hipocrisia com que lhes visitam as sepulturas.
Tamanhos foram meus obstáculos, que não mais consegui rever
os familiares naquelas horas solenes para a minha incerteza de recém-vindo, e,
somente quando os homens e as mulheres, quase todos protocolares e
indiferentes, se retiraram, é que as almas terrivelmente atormentadas e
infelizes esvaziaram o recinto, deixando na retaguarda tão somente nós outros,
os libertos em dificuldade pacífica, e fazendo-me perceber que o tumulto no lar
dos mortos era uma simples consequência da perturbação reinante no lar dos
vivos.
Apaziguado o ambiente, o cemitério pareceu-me um ninho
claro e acolhedor, em que me não faltaram braços amigos, respondendo-me às
súplicas, e a cidade, em torno, figurou-se-me, então, vasta necrópole, povoada
de mausoléus e de cruzes, nos quais os espíritos encarnados e desencarnados
vivem o angustioso drama da morte moral, em pavorosos compromissos da sombra.
Como vê, enquanto a Humanidade não se habilitar para o
respeito à vida eterna, é muito desagradável embarcar da Terra para o Além, no
dia dedicado por ela ao culto dos mortos que lhe são simpáticos e antipáticos.
Peça a Jesus, desse modo, para que você não venha para cá,
num dia dois de Novembro. Qualquer outra data pode ser útil e valiosa, desde
que se desagarre daí, naturalmente, sem qualquer insulto à Lei. Rogue também ao
Senhor que, se possível, possa você viajar ao nosso encontro, num dia nublado e
chuvoso, porque, em se tratando de sua paz, quanto mais reduzido o séqüito no
enterro será melhor.
E porque o documento não relaciona outros informes, por
minha vez termino também aqui, sem qualquer comentário.
(Livro: Cartas e Crônicas, ditadas pelo Espírito Irmão X,
psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. FEB)
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